terça-feira, 20 de maio de 2008

Presença tímida do Brasil nas feiras chinesas

O mundo inteiro está indo para a China e a China quer, cada vez mais, vender seus produtos para o mundo. A presença do Brasil, por enquanto, é tímida nas feiras setoriais e multissetoriais, que têm servido de porta de entrada para a prospecção de oportunidades - notadamente, para as pequenas e as médias empresas. A diversidade impressionante de máquinas e de produtos a preços irrisoriamente baratos tem posto ideologias e acusações de trabalho escravo num segundo plano de discussões. Ainda temos escassas informações sobre a China; a recíproca é verdadeira. Por isso, é, no mínimo, impensável ignorar o calendário de eventos que acontece no País.


Guangzhou (ou Cantão), no extremo sul da China, com uma farta agenda de feiras o ano todo, é uma das portas de entrada. A Canton Fair, realizada duas vezes por ano, atrai mais de três milhões de compradores de várias partes do mundo. E o número não para de crescer. Daí a diversidade de povos. Quando comparado com americanos, alemães, indianos, italianos e dezenas de países do Golfo Pérsico, a presença brasileira é tímida.


Para eles, expor numa feira é um ato solene. Não há espaço para prolongadas sessões de conversas jogadas fora, regadas com bebidas alcoólicas e gaiatices, cenas comuns nas feiras brasileiras. Pode chocar ver o nível de agressividade do empresário local para estabelecer uma relação de negócio. Podem parecer rudes, mas esqueça esta aparente rudeza e encare com profissionalismo. Eles levam a sério o primeiro contato e esperam que você reaja da mesma maneira e dê retorno a assuntos pendentes.


Como a concorrência é acirrada, tenha certeza de que eles farão todo possível para buscar as condições ideais que atendam ambas as partes. A China quer vender; ela precisa gerar empregos. Não espere ver estandes ostentosos, com lindas modelos com decotes generosos distribuindo sacolas com brindes. Basta um espaço de 3 x 3 m para falar com compradores de todo mundo. Entregue o cartão de visita e receba folders, todos em inglês. Todos. O máximo de mimo é você receber balas de menta.


Na China o primeiro contato é levado a sério. A Canton Fair serve de exemplo. Se perceber que a sua abordagem é superficial, sem chance de progredir, não tenha dúvida: você será educadamente dispensado. Eles não têm receio em encerrar a conversa. No Brasil é diferente: existe o temor de ver o outro magoado, gerando conversas improdutivas. Mas se, ao contrário, notar sinceridade de sua parte, a primeira coisa será querer saber mais sobre o seu negócio. Discussões sobre quantidades e preços vêm na seqüência. Paciência e disciplina fazem parte do ritual.


Não fique surpreso se após deixar um estande for interpelado no corredor por um chinês. Ele vai entregar um folder e identificar-se como representante de uma empresa concorrente àquela que você acabou de visitar.Ou seja, seus passos são vigiados. E não se surpreenda se um atendente for ao seu encontro, caso fixe os olhos no estande dele por dois segundos. Indique apenas que você está olhando.


Do ponto de vista tecnológico não há máquinas de cair o queixo - salvo raras exceções. O know how aqui privilegia a produtividade e o uso de mão-de-obra intensiva. Para lembrar: é preciso gerar emprego. Muitas máquinas não teriam chances de ser vendidas no Brasil, mas não se engane: a China está investindo em qualidade. Fabricantes de móveis estão contratando designers e institutos técnicos da Itália para fazer upgrade.


Ainda sobre a arte da negociação, vale a pena destacar o modo como agem no comércio de rua. Não se aceita um "não" com facilidade. São insistentes. É o momento de pechinchar. Recuse a primeira proposta e vá tentando induzi-lo a reduzir o preço até concordar com o valor que você quer; tudo em inglês, simples e direto. Faça o teste na Beijing Road (centro de Guangzhou); você certamente será alvo do assédio de vendedores de relógios, camisas e tênis de grife. Imagine uma camisa "Giorgio Armani" por R$ 10,00; um terno "Hugo Boss" por R$ 40,00 ou um "Rolex" por R$ 15,00.


Os cerca de 10 milhões de habitantes de Guangzhou, capital da Província de Guadnong, têm um grau de conhecimento maior que o restante da China e a razão são menos de 200 km que a separa de Hong Kong. Nesta distância, eles captam os sinais das emissoras de televisão, cujo grau de controle da censura é menor, e assim tem acesso a informações que normalmente não chegam ao restante do Pais, como os tumultos ocorridos na trajetória da chama olímpica em várias partes do mundo. Séries americanas são exibidas, mas com as cenas sensuais cortadas, claro.


A China, porém, paga um alto preço em troca do desenvolvimento. A poluição é o lado negativo desta história, que deixa nuvens permanentemente cinzas o dia e o tom escuro no Delta do Rio Pérola. As árvores estão secas. A ausência de vento deixa o ar pesado. O grande vilão é o carvão, usado maciçamente na geração de energia.


Este é um ano mágico para os chineses. Eles estão muito orgulhosos de serem os anfitriões dos Jogos Olímpicos de 2008. O sorriso é fácil quando se toca no assunto. Orgulhosos de serem chineses e pelo que representam hoje, atitude supostamente impensável 15 anos atrás. Menos de 1,5 milhão (de um total de 1,4 bilhão) vão poder assistir às competições nos estádios. O restante parece não se incomodar.


Há outros problemas maiores para resolver, como a pobreza na costa oeste e os fenômenos naturais. Mas é interessante saber que uma parte significativa da população tem plena consciência que é agente das mudanças que estão acontecendo na economia mundial.

Fonte: Gazeta Mercantil - 20/05/08